quarta-feira, 7 de outubro de 2009

É outubro, o mês que nasci...

Nasci num mês de outubro, no cerrado do Tocantins, outrora Goiás.

O lugar, lindo, quase uma vila, divisa de Goiás-Tocantins-Bahia, com uma Serra Geral bela a fazer essa divisão de chãos que se estendem em altos e baixos num terreno arenoso e avermelhado em alguns pontos, habitada por onças e índios, num passado mais distante.

Nunca me esqueço que, desde criança, pelas estórias contadas, olhava aquela serra, que se estendia de ponta a ponta da cidade, numa espécie de louvor, admiração, felicidade e curiosidade intensa sobre o que havia por trás dali.

Como não havia como transpor aqueles morros, só sonhava.

Sonhava encontrar o que? Bem, não sabia ao certo e me vinha toda sorte de sonhos encontrar: o mar, índios, uma cidade grande, pessoas diferentes, mundos diferentes e chegava a sentir saudade de um mundo que sequer conhecia.

Até hoje tenho uma nostalgia de coisas e pessoas que nunca vi, nunca peguei, é um sentir presente na minha memória, aquela supostamente inconsciente, que reporto àquelas tardes e manhãs direcionadas a olhar e sonhar envolta pelo que me trazia a minha Serra Geral.

O fato é que, desde o meu nascimento até a adolescência, vivi naquele pedaço de cerrado, aquela vida de cidade pequena, com tudo a que tem direito uma criança: banhar em rios e córregos; pular de ponte (sem nunca ter quebrado nenhum dedo); subir em árvores; comer frutas direto do pé; andar de calcinha pelas ruas; andar a pé pelas roças pra pegar caju nos meses próprios; ir pra roça e passar 2 meses vendo mato e bicho; jogar futebol, e queimada, e vôlei; andar de bicicleta até cansar; ouvir as "rádios" da moda; ler Tex, gibis vários, depois Machado de Assis, José de Alencar e tantos outros, sem cansar, na biblioteca do Mobral; desfilar no 7 de setembro; apanhar e nunca chorar por unhar os irmãos e todo mundo; furtar dinheiro pra comprar muuuitas balinhas; ir pra missa e levar bronca do padre José; brincar de boneca no quintal de casa; ganhar um outro nome de pai (tita), sem saber o porquê; sonhar e sonhar com outros mundos, dos livros e da minha cabeça...

Assim foram os anos e outubros da minha vida naquele pedaço de mundo que carrego comigo, onde nasci, em pleno meio-dia, numa família de 5 irmãos, nas mãos de Dona Ana, minha parteira, porque, ao contrário dos meus irmãos, nasci em casa e sem médico.

Aliás, quando me entendi por gente, esse era um fato que me deixava indignada: como é que, logo eu, fui nascer em mãos de parteira? Porque no nascimento de todos os meus outros irmãos, mãe tinha ido pra cidades com suporte médico-hospitalar? Decerto que ela queria que eu morresse, fazia-me de vítima e me sentia "a discriminada".

Mãe explicava que não havia dado tempo, eu era enorme e acabou tendo que me parir em casa mesmo, mas eu não queria saber, embirrava com isso.

Hoje, quando chega outubro, de tudo e tanto a que tenho que agradecer, essa é uma das minhas maiores dívidas com a vida, ter tido esse privilégio de nascer em casa, nos braços e em mãos de parteira, de uma pessoa do povo, que, com sua sabedoria e garra, soube me "desenrolar" do cordão umbilical, literalmente, e me trazer solta pra enfrentar o mundo. Isso me fez mais forte, acho que tanto no corpo quanto na mente.
Aliás, mãe conta com orgulho, que, dos filhos, fui sempre a mais saudável. Ela diz: - Dos meus filhos, Tita foi a única que não me deu trabalho, nunca adoecia.

Acho que hoje “dou mais trabalho”, tenho meus conflitos e crises que me apequenam, mas é só puxar o gancho da memória, beber da minha fonte e voltar inteira pra mais um ano que se inicia.