quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O homem, o cachorro, o jegue e a gravata

Saio no meu quintal, minha pequena varanda da qual vejo a lua e o mundo, e, pra variar, vejo um ser humano puxando um cachorro, como o homem que puxava o jegue no sertão de outrora, com a diferença "sutil" que no pescoço dele estava amarrada uma corda, quer dizer, uma gravata.

Inquieta, sigo-o ate vê-lo sumir lá na esquina da farmácia e o dito continuava com a corda no pescoço e fico a me indagar: o que faz um homem, num calor que lembra Palmas e Cuiabá, andar de gravata amarrada no pescoço, ainda que num mero passeio noturno com seu cachorro faceiro?

Só pode ser doido, pensei. Só pode ser doido, pensei de novo.

Sem resposta, precisei pensar de novo: talvez o doido não tivesse tido tempo pra tirar a gravata ou se esqueceu ou talvez fosse friorento e, nesse frio de 38 graus acima de zero, ele tivesse sentindo calor ou talvez ele não quisesse se passar por um mero carregador de jegues e se ornamentou pra parecer que levava um cachorro.

Maybe! E eu com isso? O cachorro tava feliz, o homem aparentava felicidade, todo elegante sendo puxado por uma gravata... e eu? Ah!!!!!!! Eu que estava precisando de um nó nos meus neurônios para (des)compreender o homem, o cachorro, o jegue e ela, a gravata.

MARINA SILVA no El País (matéria retirada do UOL)


A ex-ministra do Meio Ambiente do Brasil (2003-2008) abandonou o Partido dos Trabalhadores (PT) porque o presidente Lula da Silva não apoiava suas "medidas drásticas" contra o desmatamento da Amazônia.Marina Silva tem uma imagem frágil, que sua biografia desmente.
Nascida há 51 anos em uma família muito pobre de seringueiros, trabalhou desde menina no campo como empregada e foi analfabeta até os 15 anos. Aprendeu a ler em um convento, antes de se dedicar ao sindicalismo e se transformar em estreita colaboradora do legendário ecologista Chico Mendes. Acabou se doutorando em história da arte. Casada, tem quatro filhos (de 21 a 10 anos).
Silva passou por uma longa trajetória política no PT sem perder força na defesa de suas ideias e sem que ninguém jamais a tenha acusado de corrupção. Seu desembarque há um mês no Partido Verde, de onde provavelmente disputará a presidência do país, causou um terremoto político.Em seu austero escritório no Senado, Marina Silva esforça-se para não fazer o menor ataque contra Lula. Inclusive responde com brincadeiras à acusação do presidente de que sua campanha será um "samba de uma nota só". "Ele está sendo generoso, porque me dá um dos lemas de sua própria campanha, que foi, essa sim, de uma nota só: 'Lula-lá'", ri. No entanto, a senadora toma cuidado para referir-se sempre ao progresso do Brasil como "um processo dos últimos 16 anos", isto é, que começa com Fernando Henrique Cardoso e não com Lula.

El País: O que mudou no Brasil desde a chegada de Lula?

Marina Silva: Houve algumas conquistas importantes. Por exemplo, em relação ao equilíbrio fiscal e à estabilização da moeda, o que permitiu atravessar a crise atual com certa tranquilidade. Com a chegada de Lula ocorreu um certo sobressalto, mas eu diria, como um dado muito positivo, que a democracia já está consolidada e tivemos avanços notáveis na agenda social. O Brasil tinha índices de pobreza inaceitáveis e nos últimos anos foram reduzidos em 19%.


El País: Por que a senhora deixou o governo Lula?

Silva: Não sentia que tivesse o apoio necessário para manter as políticas ambientais tal como foram concebidas. Isso aconteceu no final de 2007. Em três anos, nosso plano havia conseguido diminuir o desflorestamento em 57%, mas como não foram cumpridas outras diretrizes na Amazônia voltou o risco de que se retomasse a destruição da selva. Tomamos medidas drásticas, como proibir o crédito para empresas ilegais, levar à prisão não só quem destruía a selva mas também quem plantava, produzia e exportava. Criou-se uma grande tensão e tanto eu como minha equipe vimos que o governo estava disposto a abolir essas medidas.
El País: Há um grande debate sobre até onde a Amazônia pode se desenvolver.

Silva: O termo socioambientalismo, que significa integrar a proteção da selva ao desafio de promover a inclusão social, foi cunhado na Amazônia a partir da luta de Chico Mendes. Para nós, da Amazônia, essa visão da defesa do meio ambiente nunca foi interpretada em termos de conservar essa terra como um santuário inviolável. Desde o início todo o esforço tratou de integrar o meio ambiente e o desenvolvimento econômico em uma mesma equação, sabendo que não é possível repetir na Amazônia os erros que foram feitos com a mata atlântica (da qual restam apenas 5%) ou do cerrado (o planalto brasileiro, cuja destruição já chegou a 50%). A Amazônia foi destruída em 17%.
El País: A senhora culpa Lula pelo fracasso da política ambiental?
Silva: Não se trata de personalizar. O problema de assumir a economia sustentável como estratégia é algo complexo que ainda não existe em nenhum lugar do mundo e que nenhum partido assume completamente. O que o Partido Verde e eu estamos fazendo é inovador e não podemos demonizar os outros porque ainda não o fizeram. O que se deve criticar é que se continue perdendo tempo quando já é possível fazer que o Brasil dê esse passo, porque reúne as melhores condições para tanto.

El País: A senhora manteria a política econômica do governo Lula?

Silva: Os processos são cumulativos. Não existe espaço para processos niilistas em relação ao já conquistado. Existe um reconhecimento de que nos últimos 17 anos o Brasil conseguiu o equilíbrio fiscal e a estabilização da moeda, junto com a grande inovação que Lula introduziu que foi a questão da distribuição da renda. Tudo isso deve ser preservado. Creio que temos espaços para melhorar e que já não existe o perigo de se destruir tudo o que foi construído nos últimos 16 anos.

El País: Depois da descoberta de novas jazidas de petróleo e gás no Brasil, começa-se a falar em um certo nacionalismo.

Silva: O Brasil tem uma economia de mercado, aberta. É legítimo que os países queiram usar seus recursos naturais em benefício de sua população, o que não significa que vamos nos fechar como uma ilha. Hoje é impossível pensar em fechar portas ao capital estrangeiro. O que acontece é que às vezes algumas empresas estrangeiras gostariam de atuar aqui com uma flexibilidade da legislação ambiental que não têm em seus próprios países. E isso não pode ser.

El País: Um dos grandes desafios do Brasil é a corrupção, que se incrustou em todas as instituições de forma alarmante.

Silva: Mesmo reconhecendo que o Brasil tem problemas graves de corrupção, eu não ousaria dizer que Lula não fez nada a esse respeito. Ele implementou sistemas de controle e ampliou significativamente a capacidade de investigação da Polícia Federal. Quando fui ministra do Meio Ambiente, levamos à prisão 725 pessoas. Muitas delas eram funcionários públicos. Sem a liberdade de investigação dada à polícia pelo governo, isso teria sido impensável. Se hoje se vê mais a corrupção é porque se investiga mais.

El País: Em um hipotético segundo turno em 2011, a senhora daria seu voto à candidato de Lula ou ao candidato social-democrata, de oposição?

Silva: Não posso falar ainda como candidata, mas creio que o debate deve ser sobre ideias e que a ética deve prevalecer. Eu nunca mentiria a respeito da honra de alguém para ganhar eleições. E de um ponto de vista político creio que, se me apresentar, será com a aspiração de chegar a esse segundo turno. Eu gostaria de fazer algo parecido com o que o PT fez há 20 anos, quando rompeu com os partidos tradicionais. Chegou outra vez o momento de unir todas as forças sociais, políticas e intelectuais do país, para criar uma nova estratégia para o Brasil.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves