quinta-feira, 13 de agosto de 2009

AS HISTÓRIAS DE HELENITA

Helenita morava lá numa fazenda do Tocantins, no meio de um cerrado, com um rio ao fundo da casa, curral e um vasto quintal para a criação de aves, além das plantas típicas do cerrado, frutas de época, rosas e uma pequena horta. Um pequeno paraíso.

Eu, de férias, numa das viagens do meu irmão a trabalho, fui parar lá.

Cheguei ao lugar, passando por dois córregos, ainda com algumas matas virgens, mas, em outro trecho da estrada, vi, entristecida, quando o carro desceu feio numa ribanceira, um cemitério de rio que se prolongava em linha retilínea, numa extensão de barro endurecido por todo aquele local ainda fundo, onde restara pó e um pouco de mato ralo ao redor.

Meu irmão, conhecedor do local, disse que ali havia sido, de fato, um rio, ou melhor, um córrego bem grande, onde, inclusive, em época de chuva, transbordava...hoje não restava sequer uma gota d’água.

Seguimos em frente, e, após umas duas horas, chegamos a tal fazenda, onde meu irmão foi fazer um trabalho de campo. Sem poder seguir com ele, tive que ficar por ali. Sentei num banquinho de toco de madeira, comecei a fumar, no que se aproximou Helenita e me pediu um cigarro.

Sentou ao meu lado e começamos a conversar.

Helenita era uma mulher que, não fosse a pobreza e a falta de cuidados, poderia ser considerada linda. Era morena, cabelos e olhos pretos, nariz desenhado, corpo bem feito, enfim, uma mulher bonita, a despeito da simplicidade. Tinha também um quê de languidez, aumentada pela maneira que conversava, com um sorriso cheio de sensualidade.

Era o seu segundo casamento. Esse último marido se chamava Messias. Não pôde ter filhos, tampouco sentia falta:

– Deus num quis, num me importo. Tenho o utro seco.

Vivia de maneira solitária, só com o marido, os cachorros, já que vizinhos só dali umas 5 léguas.

Disse que gostava muito de conversar, ao contrário de Messias, fato que a levava a conversar sozinha, consigo mesma, principalmente quando estava no rio, lavando vasilhas ou roupas, chegava a dar grandes risadas das histórias que lhe vinham à cabeça:

– Mesmo sozinha, Helenita?
– E o que é que tem? É sozinha... quem não tem cão caça cum gato.
– Mas você ri de quê?
– De um tudo, me alembro de história até deu piquinininha.
– E você só ri ou chora também? Lembra de alguma coisa triste?
– Ichi e demais, me alembro sem querer alembrá, mas essas coisas de vida num tem jeito, fica lá ispizinhando a gente.

Então, contou que o seu outro companheiro tinha morrido:
– Ah, então, você é viúva?
– Não, num sô não, eu era, num sô mais.

Foi quando contou que o seu outro companheiro havia se matado:
– Morreu de formicida tatu, ele tomou tanto que dava pá matar uns três dele, entonce, ele queria era morrê mermo. Ele num pensô ni mim.

Adiante se foi a história, mas Helenita não guardava lá grandes dores não:
– Deus num perdoa ele porque ele morreu de mal ruim, tudo por causa de bobagi de ciúme, num pudia vê eu conversando com ninguém. Ele é que acabo, eu tô aqui vivinha.

Disse não sentir remorsos, porque não teve culpa, ele assim escolheu. Relatou que, a princípio, começou ficando doida, correndo no cerrado, até por dois dias seguidos, como se aquilo pudesse aliviar sua dor, mas quando voltava pra casa, começava tudo de novo. Deu pra beber também, mas o que lhe restava no dia seguinte era só dor de cabeça. Por uma época, passou a rezar todos os dias, enfim, fez tudo o que pôde, mas a danada era mais poderosa.

Pereceu nessa labuta bem uns três anos, mas quando conheceu Messias parece que sua vida havia começado de novo, sentia uma alegria...que ficava perguntando o quê era aquilo.

Dias indo, dias vindo, ela ali trabalhando de vaqueira com o marido, nem sempre sozinha nem sempre acompanhada, e o mundo parece que já era outro, sua vida de hoje não era mais aquela, ela era outra.

No caminho de volta, conversando com meu irmão sobre Helenita, ele diz:
- Você deu conversa pra ela? Aquilo é doida de pedra, nunca teve marido morto, ela vive inventando história.

3 comentários:

  1. Aposto que Helenita seria uma ótima novelista, roteirista ou mesmo romancista.
    Volte lá e leve um gravador. Quem sabe não traz uma história que vira livro depois.
    Nem sei quem é fisicamente, mas já sou fã de Helenita.
    Estou adoraaaaaaaaaaaaaaando o blog!
    Bjoks
    Teodora

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  2. Ótima, Tita! Não consigo parar de rir....

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  3. Oi Amandita querida, pois é, na verdade essa história da Helenita, que mistura ficção com realidade, aconteceu em julho agora quando estive no Tocantins. Mudei algumas coisas pra dar um toque, mas ela era o máximo mesmo!
    Beijo, Tita

    Oi Téo, acho que voc não conhece Helenita, mas que conhece o São José, isso conhece hehehe. Observe os detalhes e saberá que aconteceu lá naquele lugar maravilhoso e palco de algumas boêmias nossas, quer dizer, mais de Luciano e dos meninos, né? O pouco tempo que passei lá dessa vez já dava um livro.
    Por exemplo, tinha um menino lá que estava trabalhando pra Luciano que no colégio agrícola onde ele estudava em Natividade, ele mentia que era de Brasília pra se passar de "importante" e os meninos (luciano, laércio e cia) tiraram o maior sarro dele quando descobriram.
    Outra coisa legal foi a venda da bicicleta pra um outro que estava de passagem lá, depois eu conto.
    Isso tudo numa tarde só, imagine!
    Beijo, Tia Tita

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