terça-feira, 20 de abril de 2010

Ester Faria

Ontem, falando de paixão, lembrei-me da Ester.

A Esterzão morreu há 14 anos atrás, aos 24 anos, de amor: namoro acabado, 30 comprimidos antidepressivos mais outros tantos aleatórios de sua mãe e se despede de nós aquele sorriso nunca mais visto.

Na foto da lembrança de despedida, aquela foto na qual ela dá “um tchau” como quem volta logo e aquele sorriso, sorriso largo de quem ama a vida.

Aqui do meu canto, sonho com ela, de novo sorrindo, de novo feliz, e me pergunto: por onde andaria Ester não fosse aquela dor não estancada, aquele tempo não passado, aquela viagem feita?

quinta-feira, 15 de abril de 2010

segunda-feira, 1 de março de 2010

As palavras

“Eu sou eu e minhas circunstâncias”. (Ortega y Gasset)
“Eu sou imenso, existem multidões em mim”. (Walt Whitman)
“Não sou nada/ Nunca serei nada/ À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.” (Fernando Pessoa)
“O mais importante e bonito do mundo é isto: as pessoas não estão sempre iguais, afinam ou desafinam, verdade maior, é o que a vida me ensinou”. (Guimarães Rosa)

Puxei da gaveta essas frases (nem sei se estão literalmente corretas) pra dizer a mim mesma que eu continuo a achar que a vida é imensa e eu menos ainda e que, qualquer dia desses, eu não me encontro mais.

Não estou querendo perturbar Júlia que, por sua vez, anda preocupada com a mãe dela, por achar, ao ler os meus textos, que ando infeliz e deprimida.

O fato de escrever não quer dizer nada ou quer dizer tudo? Eu me represento ou sou representada pelas palavras?

Não sei nada, só sei que a palavra me alivia, me tira um peso dos ombros e, leve, entro no mundo e enfrento Deus e as vigílias.

Aliás, eu escrevo e leio pra sentir; de tudo que já li não tenho qualquer formação acadêmica porque sempre me esquivei de “aprender”, meu objetivo foi sempre sentir as palavras e, com elas, me emocionar porque a emoção me deixa entregue ou me entrega livre ao mundo.

Aliás, esses dias atrás, Júlia me chegou com um belo poema de Mário Quintana, dizendo como a professora o havia “interpretado” e, quando Júlia me pediu pra dizer o quê eu havia entendido, pensei, pensei e percebi que eu não havia “entendido” nada, havia apenas sentido e me emocionado, só...pensando bem, de interpretação já me chega a famosa “hermenêutica jurídica”, que já é peso demais pra essa encarnação.

Então, a palavra pra mim tem o objetivo de retirar a objetividade do meu dia-a-dia e me transportar para um lugar longínquo onde o acesso é, por vezes, tão difícil. Esse lugar é minha alma ou minha liberdade, não sei, sei apenas que tento alcançá-la a cada dia e como é difícil!

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

As Estrelas

Saí ainda há pouco até a varanda pra fumar e eis que me deparo com um céu...oh, que céu!

Havia muitas estrelas brilhando, mas vi só algumas...como tudo mundo sabe pra se ver muitas, muitas estrelas, há que está numa roça distante onde não tenha tanta luz artificial como aqui na cidade grande.

Ao longe, voava um avião que ia todo piscando com luzes e avisando que iria passar...decerto ele estava era querendo imitar as estrelas, e elas, soberanas, nem se importaram.

Foi assim que, durante uns minutos, tive uma sensação de felicidade que deveria sempre estar comigo e com todos.

É uma sensação de estar inteira, completa, com um preenchimento de um vazio perdido nos rincões da nossa memória mais primitiva.

Fiquei parada. Joguei cigarro fora. Silêncio. Sorriso. Bem-estar. Doçura no espírito. Calor no corpo. Alegria.

Entrei pra dentro de mim e de minha casa com amor aos torrões pra dar e receber.

Chamei meu bem, declarei amor de corpo e alma...Dormi, sonhei, acordei. Escrevo.

Mas a palavra pode remediar o sentir? Alguém que me lê pode sentir o que eu senti? Ou mesmo se deleitar e querer sentir o que eu senti ao seu modo e ir procurar a estrela?

A palavra pode me ultrapassar e levar esse céu – com estrelas, avião e tudo – ao outro aí da varanda ao lado?

Ainda que sim ou que não, eu, metade gente, metade roça, metade céu, nem tanta terra, mas tanto sonho, vejo estrelas que me inebriam em dia de lua crescente, sem chuva, fevereiro, 2010, Brasília.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Eu, eu e tu, ele, nós e o Mundo

Moro só, tenho 48 anos, divorciei-me duas vezes, não tive filhos, não crio gatos ou cachorros e meu último namorado me deu um chute daqueles inesquecíveis.

Isso posto, posso dizer que ainda não sou feliz. Quando serei ou se ainda serei é a pergunta que me faço diariamente.

Acordo, trabalho, volto, leio, assisto à tv, vou ao cinema e a shows, curto algumas baladas, faço compras, viajo, retorno às segundas, chego aos domingos e tudo continua igual.

Igual ao que eu buscava aos 20 anos, com uma diferença não tão sutil: não sou mais jovem e o tempo corre, corre, e eu e meu corpo vão ficando pra trás ou já se adiantaram por demais na linha de chegada que espera todos nós?

Nesse último domingo, tentei refazer minha vida e procurar acertar doravante os enganos cometidos.

Primeiro, comecei ligando para uns amigos que há muito não via. Com toda a franqueza, não que eles sirvam pra nada, mas sempre se ouve e se fala com eles, os quais nos dão uma sensação, ainda que momentânea, de companhia.
Nos reunimos apenas eu, a Ana e o Célio. Conversamos, falamos de política, de novos músicos, de ótimas leituras e voltei pra casa e quando cá chego, quem eu reencontro? Eu, eu e tu, ele, nós e o mundo.

Não que eu cultivasse alguma ilusão de que, ao chegar em casa, a minha vida naqueles 100m² de pura solidão pudesse se desfazer em orgias de alegria, mas há uma torcida secreta no nosso âmago para que, de repente, como num lance de sorte – daqueles em que se vira milionário da noite para o dia ao riscar ridículos 6 números num pedaço de papel escrito mega-sena – eu pudesse transformar minha vida numa alegria perene.

Mas, como sabemos, ganhar num jogo é sorte e a nossa vida está para além da sorte: nossa vida é, acima de tudo ou mais que tudo, liberdade e nós não podemos com ela, porque fazemos dela a nossa prisão de cada dia que passa a se chamar solidão.

O fato é que, em casa novamente, aos 48 anos, não há amigos, aliás, não há gente que me tire desse não-saber-lidar-com-algo-que-não-me-ensinaram.

Do que me lembro, ninguém me ensinou a lidar comigo mesma, a lida era com o outro. Desde criança é a velha história: não brigue/ou/ cuidado com seu irmão (ou amigo ou inimigo ou primo ou vizinho); ou ame o próximo como a si mesmo. Ninguém diz pra você se amar como a ninguém mais no mundo ou pra brigar com todos menos consigo mesmo porque o que vai lhe restar ao final é somente você...e, então, ficamos tontos quando chegamos aos 48 anos e nos damos de cara com o mundo, estando sozinhos e tendo como companheiros apenas a palavra e a música (quando temos a sorte de alcançá-las em sua dimensão).

Ao contrário disso, diga-me: não era para qualquer pessoa sã estar feliz somente por poder, livremente, ler, ouvir música, sair e entrar quando quisesse, acordar aos finais de semana às 5 da tarde, dormir sozinha em uma cama enorme king size? Não, ninguém consegue se segurar com tanta liberdade; essa liberdade torna-se Solidão com S maiúsculo, daquelas que anseia pelo outro.

Ora bolas, eu bem que já desconfiava dessa fraqueza e impossibilidade humanas aos 16 anos, quando comentei, com uma sinceridade e espontaneidade contrangedora para o Luís, meu professor querido de História: - Professor, tenho pensado muito em você, acho que estou apaixonada...mas não gostaria de estar. – Não se preocupe, é natural esse tipo de paixão com sua idade, passa logo. Eu retruquei: - Não é isso, não é o estar apaixonada que me preocupa, é que eu não queria “precisar de você" pra me apaixonar.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A Professora de História

- Você é professora de História?

- Não.

Depois da pergunta, reinou um silêncio entre nós, sentadas lado a lado naquela minúscula sala de espera, à espera do atendimento da Dra. Ana Maria, nossa psiquiatra.

De soslaio, olhei para ela, que aparentava mais tristeza que angústia, e eu, ao contrário, mais angustiada que triste, se é que há diferença entre o substantivo e o adjetivo nessas circunstâncias.

Para parecer solidária e educada, perguntei: - E você? É professora de História?

A última resposta que pensei foi a que ela deu: - Sou, dou aula no Ensino Médio.

- Ah, legal, disse, querendo ser simpática, mas sem entender nada.

Essa moça tá doida. Então ela é que era professora? E porque será que ela achou que eu fosse professora também? Olhei pra mim e pra ela, tentando fazer uma comparação, mas nada em nós nos tornava pessoas afins ou minimamente parecidas: ela era uma moça nova, mas cansada da vida ou de tudo; eu, embora com problemas de ansiedade, demonstrava alegria e faceirice e uma certa autosuficiência e prepotência, me achando superior a ela anos luz.
No mais, ela tinha uma pele amarelada, óculos de grau na cara, roupa chinfrim, enfim, parecia mesmo uma professorinha de quinta; eu, bronzeada, bem vestida, poderia ser identificada com qualquer dessas celebridadades instantâneas.

De repente, apareceu na porta do lado do corredor, um homem e chamou por ela:

- Lívia, vamos?

- Mas como, se eu ainda não fui atendida?

- Vamos, meu bem...você se esqueceu? Você foi atendida, não se lembra? Como que veio parar aqui novamente, sua fujona?

Ele encostou nela, deu-lhe um beijo, ela se levantou e seguiu aquele que parecia ser seu marido.

Ao chegar minha vez de ser atendida, comentei o caso com a doutora, me sentindo a neurótica mais certinha da vez, mas ela permaneceu em silêncio, com um sorriso de comiseração nos lábios, fazendo uma ou outra consideração a respeito do que eu comentava.

Ao sair, depois de debulhar todo o meu "rosário" de glórias e algumas queixas, dei um grito: a moça estava lá sentada novamente e sozinha.

Como a médica havia me acompanhado, abraçou-me pelo ombro, fez-me entrar novamente, sentar e tomar água com, imagino, algum desses “mata cavalos” e eu, acho, dormi.

Já acordada e ainda dopada e zonza, me vi na sala da casa de minha mãe, com meu marido ao meu redor, conversando comigo ou tentando conversar.

Minha cabeça rodava e quando tentei levantar, um livro caiu aos meus pés: era um livro de História do Brasil com uma pequena foto no canto à direita, na qual estava estampada a moça da ante-sala.